domingo, 1 de novembro de 2009

Transformações urbanas e humanas


Vidas modificadas pelas construções de concreto em 111 anos de história da capital mineira

Caso Lúcio Babosa compusesse sua mais famosa letra, Cidadão, neste ano de 2009 e tivesse BH como cenário, talvez a canção fosse um pouco diferente. Ao invés de versos como: “Está vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar” teríamos: “Está vendo aquela avenida, moço? Ajudei a duplicar”. Afinal é este o sentimento dos quase cinco mil operários envolvidos nas obras de duplicação da Avenida Antônio Carlos, um dos maiores corredores de acesso da capital mineira de acordo com dados da Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas.


A sensação de participar da construção da maior obra da história da cidade é um misto de alegria, esperança e até mesmo medo. “Meu coração fica apertado de alegria de poder ver, a cada dia, este lugar se transformando e eu participando de tudo isso. Mas, ao mesmo tempo tenho medo de não conseguir ir até o fim, ou de que façam mau uso de tudo isso aqui”. E é assim, com os olhos envoltos de alegria e certa melancolia, contornados por uma pele castigada por sol e poeira, que o servente M.S. – que não quis ser identificado – descreve seu sentimento em relação ao momento que vive.



Foto: Mariana Medrano

M.S compõe o cenário de mudanças em sua rotina de trabalho



Natural de Itacambira, Vale do Jequitinhonha, M. S. há um ano e meio resolveu deixar sua pacata cidade – com pouco mais de cinco mil habitantes – e uma inexistente oportunidade de emprego, para tentar a vida na cidade que Juscelino Kubistcheck modernizou quase setenta anos atrás. As inovações tecnológicas do presidente “Bossa Nova” plantaram a semente que brotou no atual Governo do Estado. Assim, as camadas menos abastadas de Minas Gerais passaram a acreditar no lema: “Belo Horizonte, a capital de todos os mineiros”.

Foi assim, com o coração cheio de esperança que M. S. desembarcou na rodoviária da capital. No primeiro ano trabalhou como faxineiro de uma loja de roupas na área central, depois fez bicos como servente de pedreiro. Até que no final de 2008 viu o sonho de trabalhar com carteira assinada tornar-se mais real. Através da indicação de um amigo conseguiu a oportunidade, dada pela construtora responsável pela obra na Antônio Carlos, para trabalhar como servente de obra da empreitada que estava por iniciar.



Parte desta “massa”


Foto: Mariana Medrano
Homens e maquinário: trabalho em conjunto


Espalhar concreto, montar armações de ferro e carregar ferramentas. Este é basicamente o roteiro de trabalho de M. S. e seus companheiros de jornada. A diária de trabalho é dividida por turnos. Ele trabalha no turno da manhã e cumpre horário de almoço de onze horas ao meio-dia. E é nesta uma hora de descanso que M.S. se une ao ajudante geral Josué Maia Florenço, para juntos admirarem o marco que estão ajudando a construir. “Dá um orgulho danado ver esta avenida crescendo mais e mais. E o mais bacana é saber que tem minha mão nisso tudo”, revela Josué.

M. S. também tem a mesma empolgação que o colega. Porém, é um pouco mais cauteloso. “Sinto-me muito feliz por estar participando desta obra, afinal é dela que estou tirando meu sustento. Mas ao mesmo tempo bate uma tristeza, sabe? Porque quando ela estiver pronta e eu passar por aqui, pode ser que eu veja tudo diferente de quando estava pronto e limpo. Sabe como é, né? O povo não respeita nada. Vive quebrando e sujando tudo que vê pela frente” observa.


Colega de trabalho de M. S., Josué Florenço tem história parecida ao do companheiro de labuta. Ele veio do Ceará, e também enfrenta uma rotina de trabalho de dez horas diárias. O trabalho ocupa todo o seu tempo. De segunda a segunda pode ser visto em plena ação entre os tratores, britas e concretos que se tornaram algo comum na Avenida.

“A gente cansa sim, mas não tenho do que reclamar. Deus foi muito bom de me dar esta oportunidade. É claro que a saudade da minha terra bate, mas assim que a obra terminar volto pra minha cidade”, conta esperançoso. Ele tem mesmo expectativa e, mais do que isso, muitos sonhos. Um deles é muito simples e até mesmo de fácil realização. “Sabe uma coisa que iria me deixar muito feliz? Que colocassem uma placa com os nomes de todas as pessoas que trabalharam aqui na avenida. Mãe não ia caber em si de tanto orgulho, sabendo que o nome do filho dela está gravado aqui na terra do pão de queijo”, anseia Josué.

De certa forma, é no suor e no olhar longe desses trabalhadores que se encontra a alma do que um dia virá a ser parte da história de uma pequena cidade ou mesmo do mundo. Mas quantas pessoas param para observar, sequer um momento, a rotina desses homens que também são cidadãos? Quantas já se propuseram a refletir, não só sobre os transtornos causados ou os benefícios futuros da obra, mas também a respeito do esforço e da dedicação de cada um que coloca a “mão na massa”?

Foto: Mariana Medrano


A obra reúne diversos tipos de gente e seus sonhos


Josué e M. S. são muito parecidos e ao mesmo tempo muito diferentes. Enquanto um tem o grande desejo de mudar de vida, o outro carrega no peito a esperança peculiar a muitos nordestinos, o sonho de voltar para casa. Mas as desilusões sofridas no dia-a-dia fizeram M. S. sonhar com os pés bem fincados no chão. “É claro que é um grande prazer poder participar de tudo isso. De reconstruir parte da cidade. Mas, ao mesmo tempo, dá uma sensação de ter menos importância do que as outras pessoas que passam por aqui. A maioria delas nem olha, acha que somos bichos. E isso incomoda”, desabafa M. S.


A labuta diária dos homens que ajudam a erguer construções históricas, muitas vezes, é envolta de sentimentos que não são transparecidos na confusão das obras. ”Mesmo com muito trabalho dá tempo de fazer bons amigos”, confessa o cearense. A memória da avenida, do prédio, do viaduto, que será parte do cotidiano de milhares de pessoas, começa a partir do momento que o trabalhador veste o uniforme e sai da sua casa para o primeiro dia de serviço.



A cidade só cresce


Belo Horizonte caracteriza-se por ser uma cidade projetada, bem estruturada. Construída com o ideal de ser uma capital moderna, era intitulada Cidade Jardim, por possuir grandes áreas verdes e árvores circundando seus limites. Mas a intenção dos governantes, a começar por JK em 1940, era transformá-la em metrópole e inseri-la em meio às grandes e badaladas capitais do Brasil.


Geralmente, são nas conversas em família ou em rodas de amigos que surgem lembranças. Muitas delas sobre como alguma parte importante da cidade ou até ela mesma foi construída. Vindos, em sua maioria de pessoas mais velhas, os comentários e divagações soam emocionados. Muitas vezes aqueles vizinhos antigos, avós, tios ou pais tiram o dia para contar as histórias de transformação de um determinado local de Belo Horizonte.


É assim para a aposentada Dinorah Monteiro Reis. A moradora que comemorou seu aniversário de 80 anos em 2009, conta com certa nostalgia que “a Avenida Afonso Pena era o único lugar em que se podia ver prédios. A gente podia brincar nas ruas sem preocupação, pois não tinha violência de jeito nenhum. Lembro também de ir no Cine Glória e no Cine Floresta. A matinê era ótima”. Com o trânsito dos dias atuais, em que aproximadamente um milhão de carros circulam pelas ruas, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, seria impossível imaginar que a Afonso Pena só ia da Feira de Amostras, atual rodoviária, até o Bairro do Cruzeiro. “Ali acabava (a Av. Afonso Pena) e começava uma estradinha que ia até o alto da Serra do Curral. Belo Horizonte tinha um clima muito bom”, ressalta Dinorah.







Foto: Arquivo Público Mineiro


Av. Afonso Pena na década de 1940 com seus bondes e paralelepípedos


Desde longa data, a aposentada observa grandes obras serem construídas na cidade. “O que mais me marcou foi a construção do Edifício Acaiaca. Belo Horizonte não possuía prédios daquele tamanho, era uma coisa fabulosa e imponente”. O alvoroço que é feito sobre as transformações urbanas também não tinha tanta força antigamente. “Foi bem surpreendente ver as imagens dos índios na fachada do Edifício, nenhum de nós sabia. Naquela época os jornais não divulgavam muitas coisas. A gente só descobria o que estava sendo planejado quando acontecia”, destaca.


Mudanças de horizontes


Outras recordações, desta vez da década de 1960, surgem do engenheiro químico Ricardo Hermont, morador da cidade há 51 anos. Ele se lembra, quando criança, da falta do comércio e do transporte em certas regiões. “A pessoa que precisasse fazer compras só tinha o centro da cidade como opção. Além disso, os ônibus em BH também atendiam em um único sentido. Se quisesse ir de um bairro para outro, tinha que pegar dois ônibus: um para o centro e outro para o bairro.” Porém, Ricardo não nega que antigamente a vida era muito mais tranqüila, mesmo com as vantagens e comodidades que a população possui nos dias de hoje. “Morava no Santo Antônio e estudava no Colégio Pandiá Calógeras, no Santo Agostinho. Ia à pé todos os dias. Além de não haver perigo, aconteceram vezes de eu ir para lá sem ver um único carro nas ruas”, recorda.


Quanto às construções, o engenheiro conta que inúmeros bairros não existiam. “Lembro-me da construção do bairro São Bento e das obras de infra-estrutura da Avenida Prudente de Morais. Presenciei a construção do Mineirinho, do Palácio das Artes, do BH Shopping e até mesmo das grades sendo colocadas ao redor do Parque Municipal”. As passagens entre um bairro e outro também eram diferentes, com ares de sítio. “Era possível ir para a região da Pampulha, partindo do Centro, passando por uma sinuosa rua paralela à Avenida Antônio Carlos, a Manuel Macedo, toda verde com grandes trechos de mata”, descreve.


A verdade é que o progresso da cidade ainda é centro das ambições, uma vez que as atuais gerações continuam a presenciar a construção de prédios, ruas e avenidas. Com o crescimento exagerado das metrópoles e constante evolução da produção industrial fica cada vez mais difícil ouvir relatos sentimentais a respeito desse desenvolvimento. “O crescimento urbano trouxe inúmeras vantagens para BH na medida em que a cidade tornou-se mais cosmopolita. Porém, a ocupação descontrolada da capital mineira, diferentemente do que foi planejado quando construída, trouxe muita poluição e o aumento das áreas de risco”, destaca Ricardo. Para Dinorah, apesar da conveniência de deslocamento e variedade na oferta de serviços, a cidade cresceu demais e muito rápido. “Quando me lembro da vida sossegada e tranqüila que levava por aqui e comparo com toda a modernidade de hoje, me sinto um pouco perdida nessa confusão. Shopping é uma coisa muito diferente. Para mim, fazer compras ainda é ir na ‘Cidade’”, completa.



Por: Mariana Medrano e Najela Bruck

Um comentário:

  1. -Vírgula: da capital mineira, de acordo com dados da Secretaria de Estado de Transportes;
    -Vírgula: Mas, ao mesmo tempo, tenho medo;
    -Vírgula: No primeiro ano, trabalhou;
    -Cuidado com repetição;
    -Optar: "das onze ao meio-dia" ou "de onze a meio-dia";
    -Vírgula antes de verbo dicendi: sempre colocar: "...vê pela frente”, observa;
    -Vírgula: "conta, esperançoso";
    -Semântica: olhar longe # olhar distante (-1);
    -Concordância: é nas conversas;
    -Vírgula: Vindos, em sua maioria, de pessoas;
    -Vírgula entre sujeito e verbo: "A moradora que comemorou seu aniversário de 80 anos em 2009, conta" (-1);
    -Acabou a trema;
    -Artigo e vírgula: "Com o crescimento exagerado das metrópoles e 'a' constante evolução da produção industrial, fica".

    Nota Total (sem copy de outro grupo): 23/25.

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