domingo, 1 de novembro de 2009

Sem dor, sem ganho

Grande projeto de revitalização da Antônio Carlos pede paciência

Logo pela manhã, já é possível perceber o transtorno no trânsito na Lagoinha, região central de Belo Horizonte. Às 7h20, o viaduto que leva da rua Curitiba à Antônio Carlos trava e os veículos demoram cerca de 10 minutos para fazerem o trajeto que, sem engarrafamento, levaria cerca de um décimo do tempo.

Seguindo o planejamento dos órgãos responsáveis – Governo do Estado de Minas Gerais e Prefeitura de Belo Horizonte –, as obras realizadas na Avenida Presidente Antônio Carlos, uma das principais e mais movimentadas da capital mineira, deveriam trazer melhoria em diversos setores. Não só aqueles relacionados com o dia a dia das pessoas – como, por exemplo, a melhoria na fluidez do trânsito e requalificação das áreas urbanas do entorno. Também fazem parte do projeto, de acordo com informações da Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop), medidas para gerar a movimentação do comércio. No entanto, na prática, alguns comerciantes vêm enfrentando dificuldades que entram em conflito com as promessas da obra.

É o caso dos irmãos microempresários Altair e Edson. Ambos são proprietários da Copiadora 2 Irmãos, localizada na Avenida Antônio Carlos, 457. Eles sofreram na pele os transtornos causados pela necessidade de desapropriação de alguns imóveis próximos à Antônio Carlos. A loja de cópias antes era localizada na Rua Francisco Soucasseaux, 258, ao lado do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), via paralela à avenida. Altair conta que como eram inquilinos no imóvel, simplesmente foram informados de que teriam de encontrar outro lugar para trabalhar, sendo pegos de surpresa. “O proprietário disse que, quando as obras começassem, a gente não ia precisar sair daqui. Mas aí teve uma mudança no projeto e tivemos que arrumar um outro lugar de última hora”, conta o microempresário. E isso foi só o início.

O proprietário do imóvel em que inicialmente a Copiadora 2 Irmãos estava instalada não ajudou Altair e Edson a encontrar um novo local de trabalho, embora tivesse assumido o compromisso. Coube aos dois adaptar-se à nova situação. Altair conta que não queria sair de perto do Centro Universitário, já que a maioria dos clientes da loja consistia em estudantes e professores da instituição. Não havia local disponível na região, então a solução foi partir para o improviso. Foi feito um acordo com os donos de uma lanchonete e uma oficina localizados do outro lado da Antônio Carlos. Ambos os imóveis são vizinhos, e havia um espaço onde algumas motos da oficina eram guardadas. No entanto, o local era alugado do proprietário da lanchonete. Foram necessários: um contrato e uma quantia considerável em dinheiro como adiantamento do aluguel, para que a copiadora fosse novamente instalada.

A loja de Altair e Edson vende material de escritório e utilidades – como chaveiros, isqueiros, cartões telefônicos, chicletes e balas – e faz serviços de xerox e impressão. Agora, o comércio ocupa uma área de mais ou menos 15m². O lugar, espremido entre a oficina e um restaurante, abriga três máquinas copiadoras, duas impressoras e um computador, além dos outros produtos comercializados. Os que procuram pela loja na rua Francisco Soucasseaux veem uma faixa pendurada junto ao muro do Uni-BH com os dizeres: “Xerox mudou”, e a indicação do novo endereço. Mesmo com a preocupação do indicativo, Altair afirma ter perdido cerca de 60% da clientela. Para ele, as obras trouxeram mais prejuízos do que benefícios.

Antiga localização da Copiadora 2 Irmãos

Outras reclamações

A estudante de psicologia Raissa Matos, 22 anos, precisa passar pela Antônio Carlos todos os dias pela manhã, já que o campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), local onde estuda, fica na região da Pampulha. Ela conta que ainda não se acostumou com as modificações que estão ocorrendo na avenida. “Todo dia eu assusto. Está sempre bagunçado, cheio de trator e carro de obra pertinho da rua e o povo não sabe dirigir assim. É o caos, de verdade”, revela. Por causa do difícil trajeto para chegar à faculdade, Raissa tem que sair mais cedo de casa. Mas, de acordo com ela, isso não melhora muita coisa.

Morador de um dos mais tradicionais conjuntos habitacionais da capital, o IAPI, o funcionário público Tiago Alves, 21, viu toda a região próxima ao seu apartamento ser modificada. Muitos prédios foram demolidos, de forma que o prédio em que reside se destaca no meio da “desertificação” imobiliária que as reformas geraram. A avó de Tiago, Maria de Lourdes Alves e Silva, 75, reside na região da Lagoinha há 35 anos, desde que o local era considerado uma área boêmia de Belo Horizonte. Sendo assim, acompanha as mudanças de perto. “Vai mudando tudo, né? Hoje em dia a região toda está diferente. Eu até acho que esse prédio [conjunto IAPI] só está de pé porque foi tombado como patrimônio”, desabafa Maria de Lourdes.


Há consequências das obras que preocupam e atrapalham o dia a dia dos moradores da região e usuários das vias de trânsito da avenida. “Eu me incomodo muito com a ‘barulhada’ dessas máquinas na Avenida. Tem muita gente idosa, como a minha avó, que mora na região e tem que conviver com isso”, explica Tiago. Ele ainda ressalta que, como trabalha e estuda o dia todo, não é tão afetado por essa situação. Já Maria de Lourdes, que fica em casa a maior parte do dia, acha difícil ver tudo em volta da sua casa mudar da forma rápida como está sendo. Além disso, tem que se preocupar em fechar janelas em determinados momentos do dia. Isso evita a entrada de poeira dentro de casa e alivia um pouco do barulho das buzinas e máquinas de obras.



Ponto de ônibus onde antes havia um posto de gasolina

Melhorias a longo prazo

Os trabalhos realizados na Avenida Antônio Carlos causam, desde o início, transtornos para todos os usuários das vias de trânsito, comerciantes e moradores da região. Esse fato conflita com o resultado final almejado pelos órgãos e secretarias que estão realizando os trabalhos.

De acordo com informações da Setop, aproximadamente 4.700 empregos diretos e indiretos foram criados para a execução dos trabalhos de obras. Também é estimado que 3 milhões de pessoas – entre elas, Tiago Alves, Maria de Lourdes, Raissa Matos e Altair – sejam beneficiadas com as mudanças. Além disso, é previsto que, a Prefeitura de Belo Horizonte arrecade mais de 3 milhões de reais de Imposto Sobre Serviço (ISS), devido ao volume de investimentos nas obras.

Os benefícios esperados para os habitantes da região vão desde atrair investimentos e facilitar o deslocamento de trabalhadores, a movimentar o comércio da área – ao contrário do que tem constatado Altair, um dos proprietários da Copiadora. A assessoria da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) informou que está ciente dos contratempos que todos os usuários da avenida enfrentam. No entanto, salienta que esse é um efeito passageiro, e que se espera que as obras gerem resultados satisfatórios a longo prazo, com o término dos trabalhos. Em outras palavras, é uma questão de paciência.

O projeto de revitalização e duplicação da Antônio Carlos é ambicioso. A extensão das obras, que está em sua segunda fase, é de 2,2 km e a previsão de conclusão é para março de 2010. Ao todo, 250 milhões em investimentos foram feitos pelo Governo de Minas Gerais e Prefeitura de Belo Horizonte. Atualmente, de acordo com a assessoria da BHTrans, 85 mil veículos transitam por dia na região, que está com estreitamento de pista no sentido Pampulha.

A Setop informa que 240 imóveis foram desapropriados para o desenvolvimento das obras – a mesma situação de Altair e Edson. De acordo com a Setop, somente na segunda etapa das obras, R$ 111 milhões foram destinados às famílias que tiveram que deixar seus imóveis. Nas primeira etapa, que foi concluída em novembro do ano passado, 16 milhões de reais foram aplicados para a desapropriação e indenização dos proprietários dos imóveis afetados.


A avenida foi desenvolvida com uma proposta importante, e as obras para sua melhoria datam de um bom tempo. A Antônio Carlos foi aberta durante o governo de Juscelino Kubitschek, com o objetivo de ligar o centro de Belo Horizonte à região turística da Pampulha. Até hoje ela é o principal acesso a locais como o Estádio Governador Magalhães Pinto (popularmente conhecido como Mineirão), campus da UFMG e Lagoa da Pampulha. A primeira fase das obras começou em 2005, com a duplicação, que começava no viaduto São Francisco e seguia até o cruzamento das avenidas Bernardo de Vasconcelos e Américo Vespúcio, onde foi construída uma trincheira. Além de dar continuidade aos trabalhos iniciais das obras, essa nova fase do projeto também pretende atender as demandas de trânsito que surgirão com a Copa o Mundo de 2014.


Vista da Avenida Antônio Carlos da Rua Rio Novo, que sofreu mudanças de circulação

Reportagem de Giovanna Ribeiro e Teani Freitas. Turma JRM6-B

Fotos: Giovanna Ribeiro

Correção: Gabriela Santos e Priscila Robini

Um comentário:

  1. -Não se esqueçam de usar um Manual para normatizar o texto;
    -Concordância: Nas primeiras (-1).

    Matéria muito boa!

    Nota: 24/25.

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