segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O PROGRESSO PEDE PASSAGEM

Com as constantes obras no bairro Lagoinha, a rua Itapecerica vem sendo atropelada pelo desenvolvimento da cidade

Um dos mais antigos redutos comerciais da capital está desaparecendo. Próximo ao centro da cidade, a rua Itapecerica, no bairro Lagoinha, vive hoje um momento de franca decadência. O local que abrigou o segundo maior centro comercial e berço da boemia de Belo Horizonte hoje corre o risco de desaparecer. Uma rua de diversificada arquitetura, com botequins cheios e sempre abertos, pensões, farmácias, mercados, bancos, vilas e casarões.
A rua, principal via de acesso ao centro da Capital, era próxima ao mercado de produtores e à igreja do Bonfim, fato que a fez se desenvolver como um dos principais logradouros comerciais da cidade. "Entre meados das décadas de 1960 e 1980, o comércio neste local era excelente! O que podíamos ver eram pessoas de todos os lugares, não importava se bem cedo ou à noite; aqui já foi o coração de Belo Horizonte e nós fomos esquecidos, assim como a história deste lugar", diz Paulo (nome fictício de um dos mais antigos comerciantes da rua, que não quis se identificar).
As pessoas que passam pela Itapecerica hoje não imaginam o quão movimentada era a rua há cerca de 30 anos. “Era complicado andar aqui, mas se hoje você ficar atento, vai ver apenas quem reside na região", diz Maria da Conceição de Oliveira, 82 anos, segunda moradora mais antiga da rua. Ela se lembra de como era preciso chegar cedo à rua para comprar as melhores mercadorias. "A procura pelos mais diversos produtos era intensa, quem chegasse à tarde dificilmente encontraria o que realmente necessitava", relembra.
Nos anos 60 do século passado, os bares e botequins da rua Itapecerica reuniam artistas diversos. Eram encontrados atores, seresteiros, poetas e dançarinos, amantes da noite e da vida boêmia de Belo Horizonte. Com o crescimento da cidade, a Lagoinha, principalmente a rua Itapecerica, foi obrigada a ceder espaço ao desenvolvimento. A construção do túnel Lagoinha-Glória, dos viadutos e a implementação do trem metropolitano mudaram drasticamente a imagem do bairro.
Para a moradora Joana Pereira Assis, 47 anos, a rua onde foi criada já não tem mais o charme a beleza dos antigos casarões e as pessoas que passam por ela hoje sentem medo. “Ninguém passa pela Itapecerica tranqüilo. Esse monte de viaduto só fez atrair mendigos, viciados e malandros para a Lagoinha”, completa.
Jorge Luiz Bicalho, 56 anos, é o proprietário de um dos mais antigos antiquários da região. Em sua opinião, com o progresso implementado na região, os comerciantes da rua estão tomando prejuízo e o poder público não toma qualquer providência. No entanto, ele não é contra o desenvolvimento da cidade. “Não acredito que haverá modificações radicais na rua, ela está acabando, e vários políticos já estiveram aqui, prometeram milhares de coisas e não fizeram nada”, lamenta o comerciante.
“Os novos viadutos vão prejudicar o comércio da rua”: essa é a opinião de Antonio Augusto Silva, 49 anos, proprietário de uma loja de móveis usados na rua Itapecerica. Com as obras, o trânsito na rua vai acelerar e desafogar o fluxo da Antônio Carlos. “O volume de pedestres na via vai diminuir muito, os carros não vão ter como parar e com isso vai ficar muito difícil manter a loja aberta”, observa.
Os moradores hoje têm um sentimento de nostalgia e continuam acreditando em uma retomada positiva da região. Quando o progresso da cidade seja também sinônimo da valorização de uma das mais tradicionais regiões da capital.

Mais obras na Lagoinha descaracterizam a rua

Com a duplicação da avenida Antônio Carlos, a rua Itapecerica vai ficar ainda mais descaracterizada. Os casarões, as lojas de móveis antigos remanescentes – os pitorescos antiquários - vão dar lugar a mais um viaduto que integrará o novo complexo viário. Com ele, mais comerciantes e moradores deixam a Itapecerica, que se torna quase que somente uma via de acesso, como no início, antes da construção da Antônio Carlos. Uma rua que reuniu boemia, comércio e residências, e até uma pequena vila, que ainda resiste.
Para o encarregado responsável pela obra no trecho próximo a rua Rio Novo, Edson Gomes dos Santos, as obras “não vão interferir na rua Itapecerica”. No entanto, quando questionado sobre os imóveis que estão sendo desapropriados, se contradiz e admite que a obra está retirando aqueles que estão às margens da avenida. Isso elimina mais dois quarteirões de construção. Segundo Edson, não houve problemas nas desocupações. “Quando houve resistência, o aumento no valor das indenizações venceu os moradores e comerciantes”, explica.
A segunda fase das obras de duplicação da Antônio Carlos, entre a rua Operários e o Complexo da Lagoinha, é uma parceria entre o Governo do Estado e a Prefeitura de Belo Horizonte. Nesta etapa a avenida ganhará sete novos viadutos e passará a ter quatro faixas por pistas e duas faixas centrais exclusivas para ônibus. Estão sendo investidos R$ 250 milhões, sendo R$ 190 milhões do Estado e R$ 60 milhões da Prefeitura, para alargamento da pista, construção dos viadutos e as desapropriações. A previsão é que as obras sejam concluídas em março de 2010. Estão trabalhando atualmente no trecho cerca de 800 operários, demolindo imóveis e construindo as fundações dos viadutos.

Casarões sofrem com tempo e descaso

Os casarões da rua Itapecerica são símbolos da ascensão e queda do logradouro. Foram construídos no ciclo do ouro da região, serviram de moradia a comerciantes, empresários e políticos bem sucedidos. Ostentavam a exuberância e a pujança econômica do comércio de um tempo que ficou para trás.

Hoje, são a marca do descaso. A ação do tempo e a falta de manutenção transformaram as construções em verdadeiras ruínas. Estão descaracterizadas e muitas delas se encontram desabando. Ao todo, são nove casarões e uma fábrica, planejados em sua maioria no estilo arte déco, com destaque para o modelo futurista dessa última.

Eles compõem o conjunto arquitetônico que retrata de forma singular um período marcante da história da capital. No entanto, apenas um dos casarões está tombado pelo patrimônio municipal. Segundo a comerciante Rosângela Silva, 54 anos, proprietária de uma pequena loja na Itapecerica, não existe interesse da Prefeitura e dos donos dos casarões em recuperá-los. “De vez em quando, funcionários da Prefeitura passam por aqui afirmando que vão tombar e arrumar os casarões, mas fica só na promessa", argumenta. Ela ainda revela que os proprietários não cuidam dos casarões porque não querem investir numa região desvalorizada.

Outro comerciante que não quis se identificar conta que os casarões sempre foram motivos de muitas disputas na Lagoinha. "Todos queriam morar nessas casas, eram o sonho de muitos", afirma. Atualmente, muitas delas servem de abrigo para mendigos e drogados, ocasionando diversos problemas para região. "Ninguém quer mais morar aqui, e os donos não tomam nenhuma atitude porque a região está muito ruim e com muita violência", lamenta o comerciante.

Grande parte dos casarões enfrenta sérios problemas de estrutura, sendo que três deles se encontram praticamente em ruínas. Desses, dois desabaram e um teve um incêndio que destruiu toda a fachada. Entretanto, dois deles foram reformados e abrigam hoje um brechó e um escritório de uma empresa. Os outros casarões encontram-se bastante deteriorados e descaracterizados. Entre desabamentos, incêndios e descaracterizações os casarões vão aguardando seu fim ou quem sabe, dias melhores.

Nova Antônio Carlos

Atualmente, a avenida Antônio Carlos possui no trecho em obras, apenas uma pista por sentido com três faixas de rolamento cada uma. Com a ampliação, passará a ter quatro faixas por pista, além de uma terceira pista, com duas faixas exclusivas para o fluxo de ônibus. Dessa forma, a última fase de ampliação da via vai de encontro às etapas anteriores do projeto.
Os viadutos a serem construídos terão, no mínimo, duas faixas por sentido, o que evitará retenções no trânsito da região. Próximo à rua Rio Novo, o viaduto vai complementar o Complexo da Lagoinha, atendendo as interligações do Viaduto Leste e da rua Célio de Castro com a avenida Pedro II, além das ruas Bonfim, Itapecerica e Além Paraíba. Estas ligações ficam disponíveis também para o viaduto Oeste e para a avenida Cristiano Machado.
Segundo a Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas, a obra ainda prevê investimentos na melhoria da rede de distribuição de energia elétrica e a construção de passarelas acopladas aos viadutos e passagens semaforizadas para garantir a segurança de pedestres. Exatas 1500 árvores serão plantadas no entorno da Antônio Carlos, um projeto paisagístico que visa tornar o percurso na região mais agradável.
Cerca de 240 desapropriações estão sendo realizadas ao longo da avenida, um gasto de R$ 111 milhões para os cofres públicos. A empresa Consórcio Andrade Gutierrez/ Barbosa Mello é a responsável pela realização das obras.

Postado pelos alunos Patrick Vaz e Wellington Santos

Revisão: Lucas Ribeiro, Letícia Barros, Fransisnei Bispo e Fabiana Cristina

Jornalismo 6° Período - Manhã

Nenhum comentário:

Postar um comentário