quinta-feira, 29 de outubro de 2009

História (quase) perdida entre destroços

Obras de duplicação da Avenida Antônio Carlos fazem desmoronar
elementos tradicionais do bairro Lagoinha

Seresta a noite inteira, boemia, dança. Tudo reunido em um só bairro, conhecido como o ponto de encontro dos boêmios de Belo Horizonte. Escondido pela rodoviária da cidade, cortado por viadutos e subitamente transformado pela chegada do trem metropolitano, o Lagoinha era reduto dos amantes da noite e da cerveja gelada. Era? É preciso recorrer ao passado para lembrar os tempos áureos do bairro, um dos mais tradicionais da capital mineira, que perdeu o ar histórico para tornar-se personagem principal da propaganda de desenvolvimento e duplicação da Avenida Antônio Carlos, realizada pelo governo Aécio Neves (PSDB).

Exatamente ali, há menos de um quilômetro do centro, o Lagoinha vivia à margem da capital, com seus botequins sempre abertos e cheios. Apelidado de Copo Lagoinha, devido à larga adoção do copo americano pelos bares e botequins da localidade, o bairro tinha também fama de ser a “Lapa Mineira”.

Segundo o Caderno de Histórias de Bairros, da Prefeitura de Belo Horizonte, o Lagoinha já era habitado desde a construção da cidade, tendo sido fundado por operários, a maior parte deles italianos. O nome dado à região se deve ao fato de que havia várias lagoas no local, e a maioria das casas ficava ao redor de uma delas, apelidada Lagoinha. Sua ocupação ocorreu de forma desordenada, uma vez que muitos trabalhadores e desempregados em busca de emprego no centro da cidade construíam barracos em áreas invadidas e sem nenhum planejamento.

Ainda de acordo com o Caderno da Regional Noroeste, somente em 1910 o bairro ganhou um chafariz e começou a ter abastecimento de água (chafarizes eram muito utilizados, na época, como forma de distribuição de água). E, em 1960, foi construído o Complexo da Lagoinha. Em 1971, é feita a primeira obra que mudaria a cara do bairro: a construção do túnel Lagoinha-Concórdia. Em 1984, esse mesmo túnel é duplicado e outros viadutos são construídos, ligando o Centro à Zona Norte. Começava ali o fim do Lagoinha sinônimo de boemia.

Com a chegada do sistema viário (com suas modernas plataformas de embarque e desembarque), construído bem no coração do bairro, logo atrás da rodoviária, o Lagoinha perde ainda mais a cara de tradição que carregava já a duras penas. O administrador de empresas e advogado José Duarte Sobrinho, 66 anos, morador do Lagoinha há 50 anos, lembra bem dessa época. “Desde criança era acostumado a brincar na rua durante o dia e também durante a noite, devido ao grande movimento nos bares do bairro. Com a chegada do trem e dos viadutos, chegaram também pedintes e mendigos no bairro, que virou ligação entre o centro de BH e a Zona Norte. Para nós, ali se foi a paz”, recorda.

Vista do Lagoinha em 1984
Porém, a cidade cresceu, a ordem foi ficando para trás, até que o progresso pediu passagem. O Lagoinha pagou o preço por sua localização privilegiada. Aos poucos, as tradicionais rodas de samba perderam espaço. Em 2004, iniciam-se as obras de duplicação da Avenida Antônio Carlos, uma das principais do bairro. Na primeira e segunda fase da obra, não houve interferências diretas no Lagoinha. Mas, em 2008 é anunciado o começo da terceira fase da duplicação, que atinge toda a extensão da avenida até o centro da cidade, passando pelo Complexo da Lagoinha.

Para muitos, a obra é sinônimo de melhorias e liberação do tráfego conturbado da região. Entretanto, ela deixa nos saudosistas a impressão de que a metrópole está engolindo um pedaço de sua própria memória, uma parte de si que não deveria ser esquecida. “Em minha opinião, vai ser o fim definitivo do bairro. Famílias foram desapropriadas. As que ficaram estão se mudando devido às obras e mudanças que o bairro sofreu e está sofrendo. Eu mesmo estou em dúvida se fico ou não”, afirma José Duarte.

O advogado e administrador José Duarte condena as obras no bairro

Até março do ano que vem, serão construídos sete viadutos e destruídos 280 imóveis, entre casas, comércios e galpões. Nessa etapa da obra, as ruas Itapecerica, Formiga, parte da Diamantina e outras estão interditadas. O cenário é de completa desconstituição, tudo em prol de transformar a largura da Avenida Antônio Carlos dos atuais 25 para 52 metros, melhorar a circulação de ônibus e veículos e modernizar a paisagem.

Entre as modificações está a da Rua Operários, que terá dois viadutos, os quais permitirão o retorno para o Centro e também para a Pampulha. O viaduto da Rua Arirabá terá mão dupla, enquanto que a Rua Formiga é a que vai sofrer mais mudanças: serão dois viadutos que vão possibilitar o retorno para o Centro e para a Pampulha, e interligar os bairros São Cristóvão e Bom Jesus. Por fim, a Rua Rio Novo complementa o complexo, ganhando mais um viaduto.


Vista atual da Avenida Antônio Carlos na altura do Lagoinha

Moradores sofrem com as obras na região

Apesar das melhorias prometidas para o futuro, até o momento, quem passa pelos pontos que estão em obras, se queixa da situação. A diarista e moradora do Lagoinha, Rosilene das Dores Souza, é apenas uma de muitos belo horizontinos que vão até a avenida Antônio Carlos diariamente para pegar ônibus. Segundo ela, “as calçadas estão estreitas e empoeiradas, às vezes tenho que andar no meio da rua, é muito perigoso. Os pontos de ônibus não têm abrigo e os motoristas passam direto. É um desrespeito.” Já para os condutores, as dificuldades estão no trajeto, que muitas vezes é mal sinalizado e muda de percurso constantemente. Para fugir do trânsito, boa parte desses motoristas passou a usar as ruas que ficam às margens da avenida, como rota de escape.

As desapropriações de imóveis na região geraram a perda de importantes pontos comerciais como supermercados e farmácias, além de uma agência dos Correios. Os moradores que antes tinham à disposição serviços como esses, agora precisam ir até o centro da cidade para encontrar o que precisam. De acordo com a prefeitura, a conclusão das obras de duplicação da avenida está prevista para março do ano que vem. Até lá, os moradores e frequentadores do bairro serão obrigados a conviver com a poeira, o trânsito intenso, além dos barulhos de britadeiras e máquinas em geral.

Segundo o coordenador geral das obras, Cláudio Lima, a intervenção inclui passarela para pedestres em três pontos, além de travessias ao longo da avenida e plantio de 1,5 mil árvores. “O usuário de ônibus, por exemplo, vai ganhar cerca de 20 minutos entre o Anel Rodoviário e o Complexo da Lagoinha. As obras trazem transtorno, mas valerão a pena”, afirma. Porém, nem todos os moradores do Lagoinha concordam com a destruição dos elementos tradicionais do bairro e com a modernização do cenário.

O escritor e ex-morador do bairro Tarcízio Ildefonso Costa, diz que o bairro devia ser considerado patrimônio da cidade. “O Lagoinha é um lugar diferente, reino da alegria e da vida boemia, além de morada de famílias tradicionais de Belo Horizonte”, afirma. Em 1998, Tarcízio escreveu um livro em homenagem ao bairro, intitulado “A turma, o Leão da Lagoinha e outros casos”. “Espero que no meu livro ao menos as pessoas consigam enxergar a velha Lagoinha, que, infelizmente, ficou pra trás”, diz.

Talvez não seja muito arriscado afirmar que a única coisa que permaneceu foi o nome do bairro. No mais, o Lagoinha virou um retrato na parede das famílias tradicionais e nos álbuns de Belo Horizonte. O bairro ainda é motivo de saudade dos velhos boêmios, que contam suas histórias entre uma e outra cerveja. Claro, servida em um Copo Lagoinha.

Matéria de Gabriela Tinoco e Júlio Vieira - JRM6A

Correção de Carolina Fernandes, Juliana Siqueira e Lara Nassif


3 comentários:

  1. -Quando citar a Lapa, falar de "uma alusão ao bairro boêmio do Rio de Janeiro";
    -Repetição: "chegada do trem e dos viadutos, chegaram também";
    -Vírgula: "Entre as modificações, está a da Rua";
    -Vírgula e erro: "quem passa pelos pontos que estão em obras (,) se queixa da situação" (-1);
    -Vírgula e erro: "Os moradores que antes tinham à disposição serviços como esses (,) agora precisam";
    -Vírgula e erro: "O escritor e ex-morador do bairro Tarcízio Ildefonso Costa (,) diz que";
    -Boa matéria. O conteúdo histórico nos conduz a uma viagem pelo bairro. É isso aí.

    Nota de Produção: 19/20.

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  2. Nota de Correção: 1/5.

    Nota total: 20/25.

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